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Como eu já antecipei, foram muitos shows medíocres em 2015. E eu vi muitos deles. Tenho teorias sobre isso, mas vou elaborá-las na parte final apenas. Agora, dedico esse post a um relato quase cronológico da exaustiva aventura de 2015 a bordo do Liberty of the Seas durante o 70,000 Tons of Metal.

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2) Diário de bordo

a) Quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dia 01

O primeiro dia foi morno. O Trouble deu aula de doom; o Melechesh teve méritos no seu black metal estranho para público idem; Exumer tocou para quase ninguém e o Masacre trouxe a latinada suja para o teatro.

Dessa vez, cheguei na véspera do cruzeiro na cidade de Miami. Sem praias para mim na quarta-feira, pois fui ver o Torche, cujo show foi melhor que 99% das bandas vistas depois no cruzeiro. Assim, não pude sentir o clima do “mar de preto” da invasão dos banguers em Fort Lauderdale na véspera do embarque.

Saí na quinta de Miami em direção ao porto por volta de meio-dia, demorando uns 30min no trajeto de táxi. A chegada em Fort Lauderdale já foi tensa. Trânsito no porto e, sob um sol forte, uma fila grande, que só cresceria dali em diante graças a um check-in longo e pavorosamente lento.

Quase por volta das três da tarde, consegui embarcar e já tive a primeira ideia do tamanho do navio. Irritado com a demora e ensopado de suor, queria ir direto à cabine e tomar um banho ostentação. Quando cheguei ao deck 9, estava à altura da cabine 9253. A minha era a de número 9389. Isso significou ter de atravessar praticamente todo o monstrengo para chegar no quarto.

Hora do primeiro lanche no Windjammer Cafe, no décimo primeiro andar, onde era servido o buffet e pouco mais tarde rolaria o “ensaio geral” de segurança do navio, um momento moroso em que as pessoas são meticulosamente divididas para entender como proceder em caso de emergência, mas ninguém sabe se localizar ou presta atenção nos comissários, apenas fica procurando as “celebridades” próximas.

O primeiro show do cruzeiro coube ao Helstar (7,0) no Sphynx Lounge. Bem, não exatamente. Das últimas bandas a serem anunciadas, na verdade o show era quase um James Rivera solo, provavelmente um catadão de última hora para encher linguiça no navio. O vocalista mostrou seu gogó de praxe, clássicos do power metal texano foram bem executados, mas não pude ver nada, afinal, o cantor quase anão mal só se fazia notar pelo alcance intocado pelos anos.

Logo depois, caminhada rumo ao Platinum Theater para ver o show de reunião do God Dethroned (8,5), que mostrou seu black/death metal com perfeição e raça, num dos melhores sets de todo o cruzeiro. Por outro lado, o Pretty Maids (4,0) foi vergonhoso em sua apresentação Ice Rink. Os dinamarqueses pareciam sofrer de jet lag, num show já monótono para quem havia acabado de entrar no festival.

Pequena pausa para uma mini-refeição na pizzaria Torrentino’s do Royal Promenade antes de encarar o Annihilator (7,0) no Ice Rink. Os canadenses tinham o vocalista Coburn Pharr, do clássico Never, Neverland, como convidado para os shows do cruzeiro e tinha tudo para ser ultra-especial. Mas uma performance confusa acabou esfriando um pouco os ânimos, ainda mais quando a apresentação se encerrou de forma nada catártica com uma faixa mais obscura e desconhecida de King of the Kill.

Por outro lado, o Threshold (8,5) ganhou o prêmio de banda revelação do cruzeiro. Não que já não estivesse familiarizado com o prog-metal dos ingleses e esperasse a ótima execução de suas boas e complexas-sem-ser-chatas músicas, mas não sabia do carisma de seu vocalista Damian Wilson, fazendo-se notar no acanhado Sphynx mesmo para quem, como eu, não estava tão à frente da pista.

Deixei de lado o Kataklysm para ficar no Sphynx e tentar ver o Heathen (8,0), que tocavam quase ao mesmo horário. O veterano grupo da Bay Area fez uma boa apresentação, focada no seu mais recente e ótimo trabalho The Evolution of Chaos, cheio de canções longas e tortuosas, não menos pesadas, capitaneadas pelo excelente Lee Altus (também guitarrista do Exodus).

A opção posterior seria entre Apocaliptica e Korpklaani – mas não tinha uma Kaiser para tomar antes. Preferi então ir comer alguma coisa de novo na Royal Promenade e logo voltar o Sphynx para ver – na “grade” – o Trouble (9,0) fazer um dos melhores sets de todo o cruzeiro. Mandando seu tradicional doom, agora com o vocal do ótimo Kyle Thomas, a banda recheou seu set de clássicos de todas as fases. Surpreendeu-me quando encontrei o guitarrista Bruce Franklin no dia seguinte e ele me disse não ter gostado de sua exibição no dia e ter jogado um balde de água gelada em mim por não ter nada de diferente na manga guardada para a apresentação seguinte.

Um pouco zonzo do navio, mas nada comparado às tonturas psicodélicas do ano passado, fui tomar uns cafézinhos para me manter no pique no Torrentino’s e consegui pegar um pedacinho do Primal Fear finalizando seu set no Platinum Theater, mas logo me encaminhei para ver o ótimo Melechesh (8,0) tocar seu black metal todo cheio de influências esquisitas do oriente médio numa apresentação bem acima da média no Ice Rink.

Já eram três da manhã e eu havia me prometido não dormir cedo nessa edição do 70,000 Tons of Metal. Uma passada pelo Alestorm no Platinum Theatre fizeram a náusea que eu já sentia crescer e resolvi ir ao Ice Rink, sentar um pouco e esperar pelo thrash metal dos alemães do Exhumer (7,0), que recompensaram o meu esforço com muita disposição por parte deles, mesmo para um público reduzidíssimo, do qual os funcionários do navio em folga pareciam estar mais dispostos (e bêbados) que os headbangers de plantão na madrugada.

Pensa que acabou? Estava quase. Às quatro e meia da manhã, estava lá eu e basicamente toda a população de língua espanhola do cruzeiro de pé e fazendo festa para ver os colombianos do Masacre (7,5) botando todo mundo pra dançar com seu death metal old school, ingênuo e nojentamente delicioso, encerrando primeiro dia de cruzeiro por volta das 5 e meia da manhã, porque ver Dark Sermon ao amanhecer, ninguém merece.

b) Sexta-feira, 23 de janeiro de 2.015

Dia 02-01

O agitado segundo dia teve grandes shows comandados por Michael Schenker com seu Temple of Rock e o Venom de Cronos; o Refuge de Peavy Wagner não teve tantos méritos tocando velharias do Rage.

Após umas três horas e meia de sono, tinha que chegar cedo para tomar o café da manhã no restaurante, servido apenas até às 9:30 da madrugada, afinal, uma boa refeição matinal para aguentar o dia que prometia ser puxado, e começaria com o ótimo show do Tank (8,0) no Platinum Theater, desfilando seus clássicos da NWOBHM com toda pompa sob o surpreendente vocal de ZP Theart, antigo cantor do Dragonforce, sem se deixar levar pelos insuportáveis gritinhos característicos de sua ex-banda.

Em seguida, deveria ter rolado um show do Corrosion of Conformity no Pool Deck. Mas graças à incompetência da organização do 70,000 Tons of Metal, o palco da piscina não ficou pronto no prazo e, assim, abriu-se uma janela das 11:30 às 13:45, quando Peavey Wagner se reuniria com dois membros da clássica formação do Rage para tocar velharias da banda sob o nome de Refuge. Sem fome para justificar uma invasão ao almoço chique, o jeito foi tomar umas Pinãs Coladas para matar o tempo.

O Refuge (7,0) fez uma apresentação ok no Platinum Theater. Tocando direito as músicas velhas – longe da proficiência técnica da fase mais recente sob comando do excepcional Victor Smolski -, o show foi um desfile agradável de canções quase esquecidas na memória, mas sem qualquer brilho. Triste foi a notícia da separação do lineup atual do Rage e isso foi o que sobrou.

Mais um clarão se formou das 14:30 até o Cannibal Corpse entrar no Platinum Theater às 17:00. Tentei ir à tenda de merchandising, mas, como no passado, a fila estava impraticável – gigante, morosa, uns poucos coitados atendendo centenas de pessoas vagarosas nas suas escolhas. Restou dar uns chochilos na cabine para recuperar o sono insuficiente do dia anterior.

Logo mais, estava eu assistindo ao desfile de poesias líricas de George Corpsegrinder Fischer e o Cannibal Corpse (8,0) no Platinum Theater. Há certas coisas que não existem, como um show ruim desses veteranos do death metal. Divulgando um bom disco como A Skeletal Domain, é gol certo. Destaque para a ótima nova Kill Or Become, uma bela adição ao set.

Depois do Cannibal, já eram seis da tarde e nada do palco da piscina pronto. Foi quando, arrisquei passar na área de merchandising e a fila parecia humanamente encarável. Lá fui e, após “apenas” 40min, consegui comprar uma camisa do cruzeiro e uma bem mequetrefe do Trouble (até eu faria um silk melhor), apenas pra colaborar na vaquinha da erva dos velhotes.

Às 19:00, era hora de ver o Michael Schenker dar uma aula de rock’n’roll no Platinum Theater com seu Temple of Rock (9,0), comandado pelo ótimo e cada vez mais rechonchudo Doogie White nos vocais, e com a clássica cozinha do Scorpions (Francis Bucholz e Herman Rarebell). Hinos do UFO, do Scorpions e de seu MSG foram executados ao lado de umas poucas músicas novas, sem contar o absurdo e inestimável solo do guitarrista em Rock Bottom para encerrar a apresentação.

Dia 02-02

O segundo dia também teve sua cota de violência, como de praxe para o Napalm Death, o Cannibal Corpse e o Monstrosity. Já o Behemoth provou sua grande fase sob o luar.

Finalmente, com dez horas de atraso, o Soulfly inaugurava o Pool Deck apenas às 20:00 da sexta-feira, mas na mesma hora o Napalm Death (8,0) se apresentava no Ice Rink e nem deveria precisar dizer que os veteranos do grindcore fizeram por merecer a atenção lhes confiada, mesmo com a pista molhada do gelo no piso do local prejudicando a abertura de rodas mais intensas para acompanhar a violência do grupo inglês, sem Mitch Harris e com Danny Herrera estreando nas seis cordas.

Conferi um pouco do show do death sinfônico e melancólico do Wintersun (6,5) no Platinum Theater, que, apesar da execução perfeita, não era capaz de animar qualquer alma recém-saída do ataque do Napalm Death. Em seguida, foi a vez de Lee Garrison consolidar seu posto de embaixador da podreira no 70,000 Tons of Metal e, nesse ano, exibir o death metal sem frescuras do Monstrosity (7,5) no Ice Rink, com aquela boa e divertida violência, apesar da sentida ausência de seu ex-vomitador George Fischer, que poderia dar uma aparecida para relembrar velhos tempos.

No entanto, o encavalamento burro de horários me fez perder os primeiros minutos do sensacional show do Venom (9,5) no Pool Deck, pela primeira vez me aventurando por espaços abertos no cruzeiro. Apesar de já passar das dez da noite, a diferença para o ambiente de ar condicionado era desgastante, mas ainda assim Cronos fez o melhor show dele que já presenciei, mesmo tendo perdido a abertura com o hino Black Metal.

Deu tempo de conferir boa parte da guerra de travesseiros na pista do Ice Rink promovida pelo death metal “sui generis” do Origin (7,0) e ainda pegar um pedaço relevante do Blind Guardian (6,5) tocando mal e toscamente, como de praxe, os clássicos Bright Eyes e Majesty antes de subir de volta ao Pool Deck.

Afinal, já passava da meia-noite, as crianças já estavam na cama e o Behemoth (9,0) tinha carta branca (preta?) para promover extraordinariamente seu ritual satânico diretamente à lua, num set mais focado no último e sensacional disco The Satanist, ainda que o público já demonstrasse um certo cansaço e o calor não ajudasse muito.

Depois, para tirar o demônio do corpo, nada como um show de metal old school com a atual encarnação do Riot. Infelizmente, não funcionou. Essa mania de velhas bandas americanas descaracterizarem seu power metal sujo com vocalistas de tons altíssimos e insossos já prejudicou o Vicious Rumors e agora fez o mesmo com o Riot V (5,0), numa das apresentações mais sem graça de todo o cruzeiro.

Para vencer o sono, o jeito foi tomar um porre de café, mas sem saco de suportar a sauna a céu aberto do Pool Deck, arrumei uma boa poltrona para ver o 1349 (7,0) resgatar com muito ódio no coração o black metal old school norueguês numa apresentação boa o suficiente para não me fazer dormir confortavelmente nas cadeiras superiores do Platinum Theater.

O sono falava alto, eram quase quatro da manhã, e só mesmo os palhaços do Municipal Waste (8,0) para me manterem acordardo ao quase-amanhacer na estufa do Pool Deck. O retro-thrash dos americanos foi divertido, ora mandando a galera invadir a jacuzzi que ficava estrategicamente no meio da pista, ora entusiasmados pela chegada das 4:20 da madrugada e então eles poderiam celebrar o canábico “four-twenty”. Como fizeram, obviamente.

O show se encerrou pouco depois disso e até tentei encarar o Abandon Hope no Platinum Theatre, mas a menos que sua banda se chame Metallica, não faz o menor sentido usar um tema longo instrumental de introdução pré-gravado às quase cinco horas da manhã. Foi a senha para voltar à cabine e descansar um pouco antes de encarar os ares esfumaçados jamaicanos em algumas horas.

c) Sábado, 24 de janeiro

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Apreciar a vista do porto de Ocho Rios valia mais a pena do que ter se aventurado pela Jamaica.

Nem vi a hora exata quando o navio atracou em Ocho Rios, mas o despertador estava marcado para acordar em tempo de ir tomar café da manhã antes das nove e meia da manhã  e assim o fiz, mais uma vez me deliciando com Eggs Benedict e fazendo uma refeição boa o suficiente para aguentar um dia que prometia ser bem corrido.

Nenhum passeio me chamou a atenção. Resolvi encarar as ruas próximas ao porto de Ocho Rios, um passeio pela praia na região, uma visita a um boteco onde rolavam umas bizarras competições divertindo os metaleiros e de volta ao navio para um embuchar uns hambúrgueres no Johnny Rockets às quatro da tarde antes de encarar os primeiros shows do caminho de volta a Fort Lauderdale.

Dia03-02

Terceiro dia de correria com a brutalidade do Jungle Rot e do Enthroned em oposição ao surpreendente e agradável prog metal do Threshold.

E a primeira banda que (quase) vi foi o Jungle Rot (7,0), tocando seu death metal por volta das cinco da tarde no Sphynx. O lugar não muito empolgava tanto, mas os americanos fizeram por merecer um pouco de atenção num dia disputado além do normal, pois a organização enfiara os sets adiados do Pool Deck na sexta-feira no lugar de um desnecessário campeonato de hockey que ocuparia o Ice Rink no sábado.

Emendado ao Jungle Rot, foi correria para ver o Whiplash (6,5) tocar sem lá muito brilho ou inspiração seu thrash old school no Platinum Theater. Também sem tempo para descanso, era hora de ver uma das bandas canceladas da sexta, o Corrosion of Conformity (8,0). Bem, não exatamente o CoC, pois apenas Reed Mullin estava na banda, mas ainda assim relevante pela presença do clássico vocalista Karl Agell para celebrar o ótimo disco Blind, executado com eficiência praticamente na íntegra.

Hora, então, de conferir de novo os surpreendentes ingleses do Threshold (8,5), que de novo mandaram uma ótima apresentação, dessa vez no Platinum Theatre, visível para todos os olhos, num set totalmente diferentes de músicas, mas não de primor de execução e bom gosto.

Finalmente chegara a hora de ver o Amorphis (9,5), outro dos shows transferidos do Pool Deck no dia anterior para o Ice Rink, numa belíssima apresentação, focada na fase recente da banda, já após a entrada de Tomi Joutsen na banda. O vocalista desfilou todo seu cabelo e carisma junto ao público, que cantou junto e alto as músicas dessa última década de renascimento do grupo finlandês.

dia03-01

As bandas deslocadas da piscina pela incompetência da organização do dia anterior: Amorphis brilhando, Karl Agell fazendo valer a pena o inapropriado uso do nome COC e Chris Boltendahl treinando as gargantas das pessoas.

Já passava das nove da noite e o Grave Digger (7,0) fazia o seu tradicional show mezzo power mezzo metal tradicional no Platinum Theater, estragado em várias partes pelo fraco guitarrista Axel Ritt, incapaz de dar peso aos riffs e trágico nos timbres e melodias dos solos, mesmo com Chris Boltendahl mantendo o público aceso e participativo.

Nada animado para ver o Wintersun, muito menos perder meu tempo com o In Extremo, sobrou um tempo para relaxar com uma razoável IPA chamada Redhook enquanto esperava o Behemoth (8,0) voltar ao palco do Platinum Theater para outro show destruidor, dessa vez mais focado no material mais antigo e violento, que infelizmente não me chama tanto a atenção, apesar de abrir incessantes rodas na pista.

Então era meia-noite e hora de conferir o Destruction (8,0) no Ice Rink, o último dos shows deslocados do Pool Deck na sexta-feira. E o grupo de Schmier fez o que sabe melhor, thrash cheio de blasfêmias e violência, botando os corpinhos para chacoalhar na pista durante quarenta e cinco intensos minutos.

Sem muito o que fazer, foi hora de tentar ver um pouco do folk metal épico (ahn?) do Ensiferum (6,0) e chegar à perene conclusão de o estilo não ser para mim, enquanto esperava por outro set avassalador do Napalm Death (8,5) no Pool Deck, dessa vez mais lotado de músicas do sensacional disco então ainda a ser lançado Easy Meat / Apex Predator, que funcionaram muito bem ao vivo.

Disposto a não deixar a noite acabar, conferi metade dos shows do razoável folk-metal do Equilibrium (7,0) no Platinum Theatre e o violento black metal belga do Enthroned (7,0) no Ice Rink. Queria ver o Gama Bomb, que começaria apenas às 05:15, mas eram 03:45 e o prog-metal dos noruegueses do Divided Multitude me deu mais sono ainda nos seus primeiros dez minutos. Tentei em vão visitar o karaokê. A verdade é que passava das quatro da madrugada e eu não me segurava em pé. Derrotado por bandas medíocres, fui dormir.

d) Domingo, 25 de janeiro

Dia 04-01

O último dia teve ótimo show do Heathen, enquanto o Anvil e o Primal Fear foram eficientes no Pool Deck.

O despertador estava lá, firme e forte, pronto para me acordar em direção ao café da manhã dos campeões gourmets. Achei que fosse desencanar pelo cansaço, mas o sangue paulistano falou mais alto e acabei indo ao restaurante mesmo assim, sem aquele banho ostentação matinal e com cara de extremamente acabado. Era o último dia, força.

Logo às dez da manhã, o Anvil (7,5) tocou no Pool Deck e eu juntei os cacos, amarrei na mão uma caneca daquele delicioso café americano que mais parece um chá preto de gosto estranho e fui encarar todo aquele maravilhoso sol sobre a minha cabeça para ver os palhaços eternos-losers canadenses numa apresentação animada até demais para quem via a cegueira se aproximando tamanha a claridade.

Hora então de ver um pedaço do Triosphere, mas foram necessários só alguns minutos do prog metal norueguês para desmaiar nas arquibancadas do Ice Rink sem sequer ideia do que acontecia no palco.

A melhor coisa a fazer, intui, era encarar o desgracento sol e conferir o power metal dos alemães do Primal Fear (7,5), surpreendentemente animado para um show ao meio-dia da madrugada. Ralph Scheepers errou o nome do brasileiro Aquiles Priester quando anunciou o baterista, mas, velho, ich verstehe dich.

Precisou chegar o Heathen (8,5) para iniciar o ritual do verdadeiro despertar, mesmo que a acolchoada cadeira do Platinum Theater me puxasse ao mundo de Morfeu numa incessante batalha pelos meus olhos. Tocando basicamente o mesmo set da primeira apresentação, apenas com a adição de Hypnotized antes do medley de Open the Grave e Death By Hanging no final, o grupo da Bay Area se mostrou mais animado num palco maior com mais público.

Fui ver um pouco do 1349 no Ice Rink, mas logo voltei ao quarto para tomar aquele banho para despertar de vez em tempo de voltar para ver o segundo set do Cannibal Corpse (8,5), sob um vento insalubre no Pool Deck, como se um ciclone ganhasse força a cada música tocada pelos veteranos do death metal, num set pouco, mas significativamente diferente, e um pouco melhor.

Fui tentar ver um pouco do final da jam de Jeff Waters no Platinum Theater, mas quando cheguei a zoeira toda já tinha terminado. Sem vontade de ver o Grave Digger de novo, muito menos jogar minhas escassas forças no lixo com o Trollfest, resolvi me posicionar na grade para o show seguinte, o mais esperado por mim no cruzeiro.

Dia 04-02

Três momentos inesquecíveis do no último dia: o vento insalubre durante o Cannibal Corpse, o magistral Thousand Lakes set do Amorphis e o eterno solo de Michael Schenker em Rock Bottom.

Pois era a hora de o Amorphis (10) tocar, na íntegra, o fabuloso Tales from the Thousand Lakes. E toda a espera valeu a pena, desde o começo com Into Hiding até as reverberações finais de Magic and Mayhem, pois a banda foi capaz de recriar perfeitamente toda a atmosfera sombria e melancólica do álbum no show, que ainda teve o cover do Abhorrence e a grandiosa My Kantele finalizando o melhor set de todo o cruzeiro.

Dali para frente, poderia ser só figuração, mas o templo roqueiro de Michael Schenker (9,5) não deixou por menos e, num set ligeiramente diferente e melhor em relação ao apresentado dois dias antes, agora num Pool Deck com mais músicos de outras bandas do que de público pagante do cruzeiro. Quando mais uma vez o guitarrista executou o precioso solo de Rock Bottom, estava explicado o motivo.

Havia um certo respiro depois do show do gênio alemão das seis cordas, então resolvi pela única vez fazer uma refeição no restaurante. Era hora do jantar e mandei uma carne deliciosa que foi responsável por agregar um pouco mais de forças para a reta final, iniciado ao ver quase na íntegra o não muito inspirado set do Soulfly (7,0) no Platinum Theatre, ainda que Marc Rizzo excepcional na guitarra e o carisma de Max Cavalera segurem facilmente o show.

Então, o momento mais difícil para mim. Na mesma hora, tocariam o Trouble e o Annihilator. Nas minhas andanças de festival, encontrara Bruce Franklin e Coburn Pharr. O primeiro me dissera não terem ensaiado nenhuma música além do repertório da sexta-feira. O ex-vocalista canadense dizia que cantaria faixas diferentes de Never, Neverland. Com dor no coração, fui ver a trupe de Jeff Waters.

E fiquei com raiva. Porque atrasou quase quarenta minutos para começar o set dos canadenses – com direito a chilique no palco de Jeff Waters com a falta de suporte da organização -, tempo suficiente para ter visto o show inteiro do Trouble e voltar na parte que me interessava do Annihilator (8,5), cuja apresentação foi bem superior à primeira, com um setlist diferente e mais equilibrado para manter o público animado.

Com o atraso do Annihilator, acabei perdendo boa parte do set do Venom (7,5) no Platinum Theater. Dessa vez, o clássico grupo executou na íntegra o seu disco novo. Por melhor que From the Very Dephts seja, não garante sozinho um show de alto nível. Mesmo com algumas preciosidades como 1000 Days in Sodom no bis, um clima mais cabisbaixo de fim de festa predominou.

Disposto a me segurar acordado, fui conferir o Blind Guardian (7,0) encerrando as atividades do Pool Deck. E até que foi divertido. Ciente da ruindade ao vivo da banda (timbres péssimos, carisma zero, vocal fraquíssimo e incapacidade de reproduzir os complexos arranjos de estúdio), esperava apenas ouvir as músicas velhas e fui correspondido com uma overdose dos anos 90 para relembrar a minha adolescência ao lado de uma pista repleta de brasileiros cantando tudo a plenos pulmões.

Dia 04-03

A maratona final teve o Coburn Pharr se juntando a Jeff Waters no atrasado show do Annihilator; Max Cavalera e Cronos liderando Soulfly e Venom em sets nada memoráveis; muita gente gritando para não ouvir a tradicional fraca performance do Blind Guardian e o Destruction encerrando as atividades.

Desci para acompanhar no Platinum Theater o set do Destruction (7,5), que deveria por um ponto final na aventura de 2015 do 70,000 Tons of Metal. Mas, mesmo com todo o esforço de Schmier para manter a violência correndo solta, parecia repescagem de balada, com a pista cheia de bêbados fantasiados completamente sem noção.

No entanto, o último show coube ao Alestorm, originalmente programado para o Pool Deck pela manhã, mas por motivo de saúde (ressaca das bravas?), acabou adiando o show para as duas da madrugada no Ice Rink. Sequer tive interesse em ver, mas, quando conversava com jornalistas gringos, músicos e, principalmente, a galera da equipe técnica (que sempre conta as histórias mais engraçadas) entre o cassino e o karaokê, vi um cidadão sendo carregado pelo público escada abaixo – depois me contaram ter sido o senhor responsável pelos vocais dessa banda.

Era aproximadamente umas quatro da madrugada a hora em que joguei a toalha e voltei para a cabine, rumo ao meu último sono antes de atracar em Fort Laurderdale e ter um longo dia sem seu tosco aeroporto, repleto de celebridades em estado semi-vegetativo.

E também com a certeza de que não voltaria ao 70,000 Tons of Metal de novo. Mas esse é assunto para o próximo post.